Sentada numa esplanada junto ao mar, assistia à discussão em silêncio. Uns defendiam que, mesmo estando em Timor e sabendo que os timorenses não se despem em público, tinham todo o direito de ir à praia em fato de banho. Outros argumentavam que, devido ao respeito pela cultura local, tomavam banho nas praias com roupa por cima dos trajes de banho. Eu conseguia compreender os dois lados, mas costumava ir a banhos, nas magníficas praias de areia branca e água quente e transparente de Timor, de fato de banho e calções. Fazia-o sobretudo para não ferir suscetibilidades e para não atrair atenções, preferindo passar despercebida.
Foi pelo mesmo motivo que questionei há pouco tempo uma mulher muçulmana que me disse que queria procurar trabalho em Portugal se não ponderava deixar de usar lenço. Não estava a por em causa a sua identidade e cultura, mas antes a tentar protegê-la dos olhares inquisidores de pessoas que não estão habituadas a ver mulheres de hijab, numa fase da nossa história em que os muçulmanos são associados a terrorismo, guerra santa, extremismo e fundamentalismo.
Mais uma vez consigo compreender os dois lados: os que preferem manter os seus hábitos mesmo num país que não os compreende e os que preferem ser romanos em Roma, por vontade de se integrarem culturalmente, por respeito ou por acomodação.
Ainda quando estava em Timor, fazia uma reflexão acerca do que é cultural e do que é supracultural e envolve respeito pela dignidade humana, o que se sintetiza nos Direitos Humanos. Conhecer e respeitar uma forma de estar e de ver o mundo enriqueceu-me muito, fez-me sair da minha bolha ideológica e rasgar pontos de comunicação com outras formas de vida. Aprendi, por exemplo, a dar outro valor ao tempo num país onde as pessoas marcavam uma hora para reunir e, sem qualquer falta de consideração pela minha pessoa, eram capazes de se atrasar por terem encontrado um amigo que não viam há muito tempo ou por lhes ter sido solicitada ajuda de última hora. Isso fez-me perceber o quanto na nossa cultura somos escravos do tempo e vivemos agrilhoados a listas de compromissos e ocupações que nos fazem passar a correr e sem tempo pelas oportunidades de encontro connosco e com os outros. Mas havia também aspetos da cultura timorense que eu não podia aceitar, como por exemplo a forma como um órfão era por vezes tratado pelos familiares que o adotavam.
Não consigo conceber que haja culturas melhores ou piores, como alguns colegas da esplanada defendiam. Espero que não se ocidentalize nenhum povo em nome do desenvolvimento. Porque é na subtileza das várias formas de estar que podemos crescer como raça humana. Mas também não me parece bem que se use a cultura para justificar comportamentos que desrespeitam os direitos humanos, como a mutilação genital, o trabalho infantil, a subjugação da mulher e o abandono e mau trato de idosos. Não falo de Timor, da Nigéria, da Índia, do Iraque ou de Portugal. Falo de toda uma humanidade cheia de falhas na garantia da dignidade dos seus cidadãos e de uma bela manta de retalhos culturais, que não pode servir para fazer sombra aos direitos fundamentais do homem.
Se as mulheres muçulmanas devem ou não usar lenço em países europeus? Não sei, acho que é uma escolha delas. Contudo, se o hijab encobre um desrespeito pela autodeterminação da mulher, se lhe veda oportunidades, se limita a sua dignidade e igualdade, então essa questão também me diz respeito e não a poderei tolerar.
https://www.publico.pt/mundo/noticia/burquini-ou-biquini-1741813
ResponderEliminarOutro artigo interessante sobre este assunto: http://observador.pt/opiniao/o-burkini-e-os-nossos-valores/
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