Sentei-me para começar a colocar ideias no papel. Tinha já um tema importante para vos falar: o
projeto At The Frontiers. Porém,
houve mais umas quantas questões que fui tomando nota enquanto pensava em como
posso por a minha presença, forças e competências ao
serviço das pessoas que vou encontrar na Sicília. Nisto lembrei-me de um
origami bastante popular em Portugal, o “Quantos Queres". Neste artigo vão perceber porquê.
Antes de Ragusa
Quando era criança havia jogos, brincadeiras,
lengalengas e canções que tinham bastante sucesso na escola e outros espaços de
recreio. Lembrei-me do “Quantos Queres”, e de outros jogos que os miúdos ainda hoje
gostam, fazem, repetem ou readaptam, e que coexistem a par dos jogos digitais. No
fim-de-semana que passou, peguei em folhas de papel colorido e comecei a fazer “Quantos
Queres” com o meu sobrinho Francisco (Ki) de 3 anos. Ao mesmo tempo, pensava no desafio de ficar em Ragusa, província da Sicília, durante 23 dias numa
missão de voluntariado internacional. Em breve vou ser parte de uma equipa de
profissionais humanitários no At The
Frontiers - https://www.facebook.com/ATTHEFRONTIERS/?fref=ts - com elementos de diferentes países europeus, que trabalham em cooperação com
os profissionais dos centros de acolhimento na assistência a pessoas e famílias
requerentes de asilo.
O At The Frontiers with
Asylum Seekers surgiu, em 2015, da vontade e capacidade de ação de um grupo
de cidadãos de uma associação cristã na Europa, a CLC (Christian Life Community in Europe). Qualquer pessoa pode integrar este projeto, com ou sem religião, desde que tenha bem desenvolvidas as
competências pedidas a um profissional humanitário e participe nas atividades em comunidade. Os voluntários que têm
integrado este projeto vêm de países como a Alemanha, Grécia, França,
Itália, Portugal, Bélgica, Áustria, Espanha, Luxemburgo, Egipto e Holanda. Para
os campos de trabalho desta temporada, de junho a outubro, as equipas já estão
formadas, mas, para quem estiver interessado em candidatar-se, o projeto
continua no inverno.
Entre pensamentos e reflexões, alguns “Quantos
Queres” já estavam construídos. A simplicidade dos origamis remeteu-me para algumas
das atividades que os voluntários estão a desenvolver neste projeto, como jardinagem e
culinária, workshops sobre culturas e geografia, jogos de futebol, sessões de
cinema com tertúlia, aulas de italiano ou inglês e tempos livres à conversa, a
ouvir e a passear. Uma
folha de papel, lápis e as nossas mãos. Desenhei uns olhos em duas das
múltiplas faces do “Quantos Queres” e ofereci-o ao Ki. Como ele ficou encantado
com o boneco muito simples que acabara de nascer daquele origami.
“Quem vai ao mar,
avia-se em terra”
É um ditado bem português e que faz tanto sentido para o
pescador como para o profissional humanitário. Não se parte para um projeto de
ação humanitária de qualquer maneira. É uma enorme responsabilidade. Há um
exercício importante a fazer antes de qualquer desafio, mas sobretudo neste
contexto de trabalho com grupos de pessoas que estão altamente vulneráveis: tomarmos
consciência das nossas motivações para fazer parte de um projeto humanitário.
É para eu dar o meu contributo no acolhimento, na
capacitação e na resolução de problemas daqueles que estão vulneráveis e em
situações de enorme fragilidade? É para trabalhar num registo construtivo, pacífico
e em cooperação com os vários agentes no terreno? Tenho o perfil pretendido e
estou em condições físicas e psicológicas para desempenhar aquele papel?
As respostas que encontramos a estas perguntas e outras, vão guiar-nos na decisão a tomar e são passos que nos predispõem para estarmos com mais foco quando estivermos no terreno. A preparação também passa por pesquisar e procurar informação relevante, contactar e falar com alguns dos elementos que já foram e voltaram, começar a reunir recursos, conteúdos e/ou materiais, e identificar competências transversais ou técnicas que possam potenciar o nosso trabalho em missão.
Olhei para as oito faces no interior do “Quantos Queres” e
pintei uma bola, cada uma de uma cor diferente, em cada face. O Ki ficou
curioso. Oito faces, oito bolas coloridas.
A diversidade
cultural
As pessoas que chegam à Sicília são em grande parte
sobreviventes de travessias por vezes inenarráveis pelo sofrimento, as
dificuldades e a morte que encerram. Vêm sobretudo de países das costas de
África, em guerra, com instabilidade política ou miséria profunda para pedirem
asilo na Comunidade Europeia. Chegam de muitos países diferentes. Da Nigéria,
Mali, Gâmbia, Senegal, Costa do Marfim, Guiné-Conacri, Eritreia, Somália,
Etiópia, entre outros, e também de países como o Bangladesh, Egipto e Síria. Depois
dos primeiros cuidados de saúde, alguns de emergência, da identificação e
triagem, as pessoas são encaminhadas para os centros de acolhimento na ilha. É
aqui que o projeto At The frontiers começa
a atuar, em estreita cooperação com os profissionais que trabalham a tempo
inteiro nestas casas de acolhimento, prestando assistência às famílias,
mulheres e crianças, homens migrantes e refugiados que pedem asilo. O processo
de requerimento de asilo é um processo demorado, que pode levar até um ano.
No melting pot de
culturas e idiomas tão distintos, o inglês e o francês são os idiomas mais escolhidos para comunicar, mas nem sempre são suficientes.
A comunicação não verbal e a criatividade aqui são fundamentais para que haja
uma plataforma de entendimento. Pequenos exercícios, dinâmicas e ferramentas, que aparentam ser somente lúdicas, como os “Quantos Queres” e outros origamis,
podem facilitar a comunicação e a relação com o outro, para além de serem uma
atividade relaxante. Perguntei ao Ki que cor é que ele escolhia. Vermelho.
Perguntei-lhe também qual o animal preferido dele. O piriquito Chico. Levantei
essa face dobrada do origami e desenhei um pequeno pássaro azul, como é o
piriquito Chico que o Ki conhece. “Uau”, disse ele.
Tudo o que levo na mochila
para a Sicília
Estou curiosa não só em relação ao projeto, à equipa e às
pessoas com quem vou trabalhar, mas também em relação à terra, ao povo e à
cultura siciliana. Parto dia 26 de agosto e comigo levo uma mochila às costas
por ser mais prático e rápido nos aeroportos e para quando tenho de caminhar.
A minha mochila não pode pesar mais do que 8kg, por isso vou
levar o mínimo de coisas que conseguir para 25 dias. É sempre uma aventura
fazer a mochila! Quero sempre levar mais do que preciso. O rol será mais ou
menos este: roupa de verão e calçado prático para cerca de 6 dias, fácil de
lavar e secar; 1 pano/saída de praia multifunções; 1 chapéu; 1 corta-vento/impermeável;
2 sweatshirts; biquíni/fato-de-banho;
protetor solar; telemóvel e carregador; disco externo/pc; kit higiene e 1ºs
socorros com recipientes até 100 ml; 1 livro; 1 caderno para apontamentos; 2
esferográficas; 1 mapa da Europa e 1 mapa-mundo; 2 dicionários de bolso: inglês
e francês; 1 lista de palavras básicas e essenciais em árabe; 1 apito com
bússola; óculos de sol; 1 mochila ultra-leve; bolsa com documentos. Não caberá
muito mais. No final peso-me com a mochila e sem ela, e a diferença não poderá
exceder os 8 kg.
Fazer de propósito
Quantos desafios queres? O que podes fazer mais? O que fazes vai
beneficiar alguém? São perguntas que vou fazendo a mim própria e que me ajudam a escolher projetos que realmente importam. Há
aquela história muito curta de um homem que pedia incessantemente a Deus para
lhe sair o euromilhões. Era a mesma conversa todas as noites, ao deitar. Um dia
Deus perdeu a paciência e resolveu intervir, dizendo-lhe: “Ao menos joga
criatura!”
Sempre que queremos aprender e evoluir, é preciso sairmos da
nossa zona de conforto e ultrapassar limites, limites esses que muitas das
vezes são apenas meras preocupações e medos que vamos alimentando. Se por um
lado há desafios que a vida nos lança nos braços, por outro há desafios que
podemos ser nós a escolher, a agarrar, e a fazer de propósito para que eles
aconteçam. Fazer de propósito, escolher, colocar-me em ação, é de longe muito
mais interessante.
Outra ideia que ainda apontei, enquanto fazia mais alguns
“Quantos Queres”, é a de que não podemos mudar o mundo, mas podemos contribuir para
mudar o mundo de alguém ou até de muitos. Contudo, algumas perspetivas que temos, amarram-nos e paralisam-nos. Quais são aquelas
que me impedem de agir? A minha forma de pensar permite-me ver o outro enquanto
pessoa? Consigo sair da minha zona de conforto e envolver-me na vida da minha
comunidade, trabalhar lado a lado com outros que têm ideias diferentes, e mesmo
assim encontrarmos respostas para problemas e juntos passarmos à ação? Parar e
calibrar as lentes, desconstruir argumentos, faz-nos bem.
Daqui podemos ajudar lá
Quando na semana passada partilhei na minha página do
facebook a notícia de que ia fazer parte deste projeto com migrantes e refugiados,
pedi aos meus amigos que me contactassem caso soubessem de alguém ou alguma organização/empresa
que possa apoiar financeiramente o At The Frontiers. Alguns dos meus amigos
mais próximos perguntaram-me se haveria também alguma forma de contribuir
individualmente e em quantias mais pequenas. Contactei a equipa de coordenação
do projeto e eles responderam que sim, agradeceram muito a iniciativa, e disseram que a ajuda que damos daqui, de onde nos encontramos, é bastante importante, uma vez que
permite que se faça muito mais. Ficam aqui os dados e o IBAN para quem puder ajudar:
IBAN:
IT23C0503403234000000125472
Banca Popolare di Novara – AG. 36, (codice swif/bic: bappit21n92)
Banca Popolare di Novara – AG. 36, (codice swif/bic: bappit21n92)
Atenção,
quando fizerem a transferência é importante referir para que é o donativo. Reason: Migrants Project.
Os donativos vão reverter já para este projeto no período do
inverno, para realizar atividades como jogos, música, artes plásticas e
trabalhos manuais, culinária e alimentação, a pintura dos centros de
acolhimento, e vai permitir que voluntários com poucas condições económicas
possam fazer parte do projeto também. Para além deste passo, falei ontem com duas voluntárias que
estiveram lá o ano passado, a Jacinta e a Rita, e quando conversávamos uma
delas disse-me que faziam sessões de cinema seguidas de uma partilha de ideias.
Ficou a sugestão de eu levar filmes em formato digital, do género do Patch Adams, que eles viram e adoraram,
comédias e outros filmes que bem dispõem. Se alguém tiver uma coletânea digital
que me possa passar, agradeço. Agradeço também outras ideias que não ocupem
espaço.
“diário de ragusa”
Para este mês tenho vários desafios, um deles é começar a escrever um diário sobre este projeto em Ragusa
com pequenas histórias. Ainda não sei se terei facilidade de acesso à net e
tempo suficiente para me dedicar diariamente à escrita, mas mesmo assim avanço
e, no que me for possível, vou dar notícias, contar pequenas histórias, de forma
simples e breve. O “diário de ragusa” é o nome do blogue que em breve partilho
convosco. Quanto ao “Quantos Queres”, sei que vou pegar em folhas de papel e
fazer um ou outro quando estiver por lá. Logo vos
conto.
Artigo delicioso! Obrigada
ResponderEliminarArtigo delicioso! Obrigada
ResponderEliminarObrigada querida Sara!
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