- Por favor, ajudem-nos, estamos a afundar!
- Quantas pessoas?
- 250! Há muitas mulheres e crianças. Ajudem-nos!
- Qual é a vossa posição?
- Ajudem-nos! Socorro!
- Por favor, mantenha a calma e diga-me qual é a vossa posição.
Perde-se a ligação, em vão um helicóptero tenta perscrutar na noite sinais da embarcação em apuros, no dia seguinte a rádio local de Lampedusa informa que pelo menos 250 pessoas perderam a vida na tentativa de alcançarem a ilha.
É desta forma desconcertante que começa o filme "Fogo no Mar", da autoria de Gianfranco Rosi, realizador que viveu na ilha durante mais de um ano captando as imagens que estiveram na base deste documentário. No final, não conseguiu abandonar Lampedusa e, contrariamente aos seus planos iniciais, não conseguiu fazer a edição do filme, por não estar preparado para voltar a reviver as emoções por trás das imagens.
Com arte e sentido de humor, o filme leva-nos a conhecer as rotinas de quem vive na ilha, tendo como personagem principal um rapazinho de 12 anos chamado Samuele; mostra-nos os olhares de fogo de quem é resgatado do naufrágio; apresenta-nos quem presta assistência a estas pessoas.
Emerge à tona das águas límpidas de Lampedusa uma certeza: quem enfrenta a morte daquela maneira só pode estar a fugir a algo ainda pior. Guerras, tráfico, fome, sede, exploração, miséria.
Assistimos à exploração submarina de um mergulhador local, talvez para recolher objetos dos náufragos, quem sabe para construir um museu ou para fazer um cemitério de sonhos. Aqueles mares, os nossos mares, estão salgados pelo desespero e obscurecidos pela falta de ação concertada.
Assistindo aos vários procedimentos legais que os migrantes são sujeitos, ouvimos os comentários dos guardas que frisam o cheiro a gasóleo dos náufragos. No final do filme percebemos porquê: os barcos em que navegam têm de ser reabastecidos várias vezes durante o trajeto e nesse processo muito combustível cai ao chão e junta-se à água que já cobre o piso. As pessoas ficam molhadas com essa mistura e muitas delas sofrem queimaduras graves. Mais chocante do que isso foi vermos o resgate de um barco em cujo porão cerca de 50 pessoas morreram ou estavam perto disso devido ao calor e consequente falta de oxigénio. Cada uma delas pagara 800 dólares americanos por aquela passagem...
É um filme com pormenores de ternura, retratando o dia a dia de Samuele, com as diabruras próprias da idade. Mas é sobretudo um abanão. Um confronto com um mundo semeado de desigualdades que nem barreiras naturais como o mar conseguem estancar.
Só no ano de 2013, 14.753 imigrantes -três vezes mais do que a população da ilha - desembarcaram em Lampedusa, causando um impacto tremendo na dinâmica social local. Depois do terrível naufrágio de 3 de outubro de 2013, onde 366 pessoas perderam a vida, desencadeou-se a operação Mare Nostrum, que tem permitido salvar a vida a muitos migrantes e refugiados: só num ano foram resgatadas do mar 60.000 pessoas.
Ver este filme é permitir que a realidade não nos seja indiferente, é transformar os números em pessoas, o choque em apelo à ação!
Imagem: Amnistia Internacional
Impressões, retratos e factos presos à condição de Refugiado... Histórias de gente em movimento: fugindo do terror, sonhando com uma vida melhor, perseguindo o futuro, num mundo global
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
História de um Colete, por Sofia Mexia Alves
Partilhamos aqui a história de um colete, da autoria da Sofia Mexia Alves:
Diário de Bordo
Diário de Bordo
Lesbos, 22 de Agosto de 2016
(…)
estava entusiasmada quando cheguei ao campo de Kara Tepe, tinha preparado uma sessão sobre liderança para o Youth Group. Ia contente e de sorriso rasgado.
estava entusiasmada quando cheguei ao campo de Kara Tepe, tinha preparado uma sessão sobre liderança para o Youth Group. Ia contente e de sorriso rasgado.
Chego à entrada do campo e vejo o Salam e o Ahmed de mochila às costas, com o resto da família. O Salam vê-me e chama-me, com um olhar desamparado diz-me que se vão embora, vão para Atenas.
Fico também eu desamparada. Pela incerteza do futuro.
O Salam, tão querido, estava em todos os Creative Minds, sempre pronto a participar, conversar, ajudar. O Ahmed é aquele pestinha maravilhoso, irrequieto, sempre a testar os nossos limites… impossível não gostar dele.
Demos abraços apertados, muitos beijinhos, dissemos “i love you” imensas vezes.
O olhar do Salam continuava desamparado.
E eu tinha de seguir e ir para o Youth Group.
Pelo caminho ia engolindo as lágrimas.
Dias depois, a Inês Viterbo (voluntária na Linha da Frente, em Atenas) envia-nos uma fotografia e uma mensagem:
“(…) Vieram ter comigo a correr hoje, pouco depois de eu ter chegado ao campo de Eleonas. Reconheceram o meu colete.
Chegaram cá há quatro dias, vindos de Lesbos.
Senti muito, através deles, uma enorme ternura por cada um de vocês. Tive, sobretudo, a percepção de que se sentiram muito amados e protegidos aí. Senti que o Salam viu neste mesmo colete um sinal de esperança, um lugar comum de Amor.”
Não importa se é a Inês, a Sofia ou o Tiago quem o veste.
Vestir este colete é assumir um compromisso de serviço, de humanidade.
Vestir este colete é ser-se humilde, é tomarmos consciência da nossa pequenez. E do nosso poder.
É sermos tomados por esta missão de amor.

*
Plataforma de Apoio aos Refugiados
Texto e imagem: Sofia Mexia Alves, in: https://escolhadesofia.wordpress.com/2016/11/23/historia-de-um-colete/
quarta-feira, 9 de novembro de 2016
A equipa da Torre di Canicarao |
A SUL
Uns saem das suas casas a fugir da guerra, da perseguição,
da miséria, da tortura, da fome e conseguem sobreviver; outros saem das suas
casas para ir ter com estas pessoas migrantes e refugiadas e mostrar-lhes que
se importam com elas, com as suas vidas, e que há um caminho a percorrer
juntos. Recentemente, estive na Sicília numa missão internacional de
voluntariado com homens refugiados.
Buongiorno! Tutto a posto?
As histórias que vos vou contar passaram-se na província de
Ragusa. Mais concretamente, num Centro de Acolhimento a Refugiados, que em
Itália é chamado de Sistema de Proteção para Requerentes de Asilo e Refugiados
(SPRAR), no meio do campo, a uns 4kms da cidade de Comiso, na antiga Torre di Canicarao. Estive a trabalhar
como voluntária no projeto At The Frontiers (ATF) em setembro passado, durante
três semanas. Vou falar-vos de pessoas refugiadas que conheci e optei por
dar-lhes aqui nomes fictícios por uma questão de proteção da sua integridade.
Buongiorno!
Buongiorno! Come stai? Bene? Bene! E tu? Si, tutto a posto![1]
As nossas manhãs na Torre di Canicarao
começavam assim, em italiano, na língua da terra onde estávamos, embora ao
longo do dia, para nos compreendermos melhor, fossemos falando vários idiomas.
Cada dia começava com apertos de mão sem pressa, aliás, à medida que nos íamos
conhecendo, cada vez mais demorados à boa maneira africana. Guiné-Conacri,
Síria, Somália, Nigéria, Gâmbia, Egipto, Senegal, Marrocos, Burkina Faso,
Guiné-Bissau, Chade. 36 homens, a maioria entre os 18 e os 25 anos de idade,
sobreviventes à travessia do Canal da Sicília, até ao porto de Pozzalo, a 40
kms de Ragusa. Itália. Seis profissionais e assistentes sociais italianos da
Fondazione San Giovanni Battista, uma entidade responsável por vários centros
de acolhimento em Ragusa. Portugal e Espanha. Três elementos da equipa
internacional de voluntários ATF – o Pedro, a Begoña e eu.
Passávamos os dias todos juntos numa casa no meio do campo,
na envolvente semi-árida da cidade de Comiso, rodeada de colinas em tons ocre
com casas de pedra, rebanhos, oliveiras e catos que se chamam figueiras da
índia.
![]() |
Equipa At The Frontiers, o 4º turno. Verão 2016. |
No final de cada dia, nós, os três voluntários de Canicarao,
regressávamos à cidade de Ragusa, à casa cedida pelos jesuítas para o projeto
ATF. Chegávamos nós e chegavam os outros voluntários que estavam também a
trabalhar por pequenas equipas noutros centros de acolhimento da Fondazioni San
Giovanni Battista. Embora a maior parte dos centros desta fundação acolha
homens, existem ainda um centro para mulheres e outro para famílias. Ao todo, éramos
14 voluntários naquele que foi o 4º turno do projeto ATF no verão 2016.
Entre tarefas domésticas e o jantar, íamos conversando sobre
o dia, partilhando novidades e preocupações. Todos à mesa éramos catorze.
Julien, Helène, Teresa, Maria, Elena, Lucía, Begoña, Hanna, Flavio, Sophia,
Cristina, Pedro, a Madalena e eu. Todos também de países diferentes. França,
Espanha, Alemanha, Itália, Inglaterra e Portugal. Em comum, temos o facto de
termos dado o passo de sermos parte da resposta no apoio às pessoas migrantes e
refugiadas.
![]() |
Apanha da Alfarroba |
260 quilos de
Alfarroba
Estamos a sul, na Sicília, e os dias de setembro são quentes
e por isso pesam. Mas, mais do que o clima, pesa o tempo. Pesa o tempo da longa
espera pela proteção internacional que cada um destes homens enfrenta. Aqui não
é fácil estar-se motivado.
Diferentes culturas juntas numa só casa. Ainda não estive em
nenhum destes países, mas conheci cada um deles. Importo-me com cada um dos
rapazes, com as suas vidas e quero que cada um possa construir uma vida melhor.
Alguns deles conseguiram trabalhos esporádicos ou temporários, por exemplo de
serralharia, a aspirar carros numa oficina de mecânica ou na apanha da fruta.
Um deles foi treinador de futebol de iniciados e agora está responsável pelo
campo de futebol de Comiso.
Andiamo al jardino a
fare una ativitá veramente importante! Oggi
prendiamo Carruba insieme![2]
O meu italiano é muito limitado, mas sei que quando dizia frases como estas com
entusiasmo, elas tinham impacto e até faziam rir. Precisamos todos de rir.
Vamos fazer uma atividade diferente: apanhar alfarroba no terreno que circunda
a casa. No caminho até ao jardim misturamos palavras em alguns idiomas, como já
se torna habitual. Italiano, inglês, árabe, francês, fular, algumas das línguas
que se falam ali por casa. Por vezes, não é fácil expressarmo-nos e
conseguirmos passar a mensagem. O Tarik (Marrocos) e o Mahamat (Chade) ajudam e
fazem muitas vezes a tradução para árabe. O Pedro avança com uns sacos de
plástico XXL pretos. O Mahamat, o Tarik, o Horus (Egipto), o Omar (Síria), o
Abdal Salam (Somália), o Jonas e o David (Gâmbia), e o Moussa (Senegal)
acompanham-no.
O dia está nublado. Não podia ser melhor para apanharmos a carruba, que é como se diz alfarroba em
italiano. Os rapazes arranjaram umas varas para agitar os ramos e fizeram cair
as vagens na terra. Resultou, mas o Omar quis subir às alfarrobeiras para
tornar mais rápido o processo. Parecia que choviam alfarrobas! Algumas
caiam-nos em cima e riamos uns com os outros. A atividade levou-nos o dia
inteiro. Apanhámos 260 quilos.
Carruba Pranzo Party |
Carruba Pranzo Party
Antes, o Pedro, a Begoña e eu acordámos com os profissionais
do centro e com os rapazes que iriamos vender a colheita e repartir o dinheiro
por quem tivesse trabalhado. Assim foi. Recebemos 65 euros. Reunimos todos os
envolvidos e perguntámos o que queriam fazer com este valor, que era deles.
Responderam que era para nós decidirmos. Insistimos e devolvemos a mesma
pergunta. Depois de discutirem algumas ideias, decidiram que 15 euros seriam
para uma pequena festa para todos na Torre di Canicarao e o restante seria
dividido pelos que trabalharam. Para nós, esta iniciativa de eles quererem
investir parte do dinheiro ganho para fazer uma festa para todos, indicou-nos
claramente que o ambiente que cultivam entre eles é construtivo. Nesta ação e
nesta atitude, explicaram-nos como a paz se pode construir em contextos
difíceis. Juntámos mais um tanto e fomos ao supermercado comprar sumos,
salgadinhos e gelados. Fizemos um almoço com todos e diferente do habitual,
mais animado. Chamámos-lhe a Carruba
Pranzo Party[3].
À volta de uma mesa muito comprida reuníamo-nos dia após
dia, como fazemos com os nossos amigos ou com a nossa família. Igual. Sabíamos
que alguns deles são muçulmanos e à uma hora da tarde rezam juntos, por isso
esperávamos mais uns minutos por eles para almoçarmos todos. Dia após dia,
fomo-nos conhecendo, trabalhando em conjunto e os dias foram ganhando sentido.
O Jardim das Plantas Aromáticas |
É por isso que
estamos aqui
Depois da apanha da Alfarroba e da Carruba Pranzo Party, propusemos aos rapazes fazermos outras
atividades. Arranjarmos o jardim das plantas aromáticas foi uma delas. O Jonas, que adora mecânica e agricultura,
guiou-nos com a sua experiência e entusiasmo. Plantámos
manjericão, hortelã, sálvia e orégãos. Semeámos alfaces e rabanetes. No jardim,
já tinham salsa, alecrim, alfazema, cebolas. A boa disposição do Jonas
aumentava à medida que remexia a terra e nos explicava como fazer. Já sabíamos
que passava noites em claro. Muitas preocupações. O jardim das plantas
aromáticas parecia outro e ele também. Dá gosto ver os resultados! O Jonas
disse-me, enquanto isso, que pede todos os dias a Deus um terreno para
cultivar. ‘Sim, vais ter’, disse-lhe eu. Depois pensei: ‘quem sou eu para lhe
dizer que sim?’. E repensei: ‘claro que sim, se ele quiser muito um pedaço de
terra, vai fazer por isso e criar mais possibilidades para que aconteça. É
possível’. Continuámos a arranjar o jardim.
A Begoña, eu e alguns deles fizemos legendas para as
plantas. Traduzimos os nomes das plantas para os quatro idiomas mais falados
ali no Centro: italiano, inglês, francês e árabe. Para as legendas ficarem mais
completas, o Pedro, o Jonas, o Tarik e o Horus foram para o jardim, fizeram os
desenhos das plantas e pintaram-nos com aguarelas. As atividades em conjunto
ajudam-nos a estar no presente. O Jonas tinha insónias todas as noites.
Contou-me que deixou a Gâmbia porque presenciou o assassinato de uma pessoa por
militares do governo. Agora está longe da família, da mãe e dos irmãos, dos amigos.
Numa outra conversa mais à frente, estávamos a dizer que a vida não é fácil.
Ele acrescentou que a deles é muito difícil. Eu imediatamente respondi que é
por isso que estamos aqui. E ficámos em silêncio.
![]() |
Comiso, na província de Ragusa. |
Tenho de ir ao
Terreno
Conversas simples do dia a dia davam ritmo à amizade que
fomos construindo. Nada de ‘conversas-inquérito’ com aquela curiosidade mórbida
em que às vezes se cai. Sabíamos que os rapazes já estavam ali há muitos meses,
pelo menos a grande maioria, e que já teriam contado muitas vezes partes das
histórias que os acompanham. O Pedro, a Begoña e eu, embora não tivéssemos
falado sobre isso, estivemos sempre alinhados: não fazíamos perguntas que
direcionassem as nossas conversas para que eles recordassem momentos de
sofrimento. O nosso foco estava neles. No aqui e no agora, na ação e neles. O
grande desafio foi estarmos com os rapazes neste tempo de espera. Lado a lado.
A nossa presença mostra que nos importamos com eles, assim como as atividades
que desenvolvemos juntos, a nossa energia, as conversas, a participação nas
aulas e os jogos.
Porém, há histórias que conheci e não me saem da memória.
Num dos dias recebemos a visita do Kévin da Guiné-Conacri, que antes de lhe ser
reconhecido o estatuto de refugiado, tinha vivido ali no centro. O Kévin foi
escravo durante 5 anos na Líbia, conseguiu fugir e chegar à Sicília. Agora
trabalha numa ONG em Ragusa como facilitador e tradutor num projeto com outros
requerentes de proteção internacional. Outro dos rapazes saiu do seu país, a
Gâmbia, porque presenciou um assassinato praticado pelos militares e temeu pela
vida. Já o Omar, que fugiu com os irmãos da Síria, contava-nos que na cidade
dele, As-Suwayda, existem diferentes grupos terroristas que atacam as pessoas e
instalam um clima de violência constante, diário. O Omar quer trabalhar e
ganhar dinheiro para poder ajudar os pais que lá ficaram. São tantas as
histórias de superação quantas as pessoas que ali chegaram.
![]() |
Caminho entre Comiso e a Torre di Canicarao. |
Antes de partir para Ragusa, lembro-me de ter dito a um
amigo meu que tinha de ir ao terreno. Não aguentava mais. Tinha que agir e
conhecer de perto esta realidade que também me diz respeito. Não propriamente
para conhecer as histórias, mas as pessoas. Para olhar para elas, estar ao lado
delas e para que, pelo menos algumas, percebessem que me importo, que nós
europeus nos importamos. Mas, acima de tudo, para eu compreender melhor o que
posso fazer por elas na minha cidade e no meu país, agora que regressei.
Nestes dias aprendi a dar um ‘passou bem’ à maneira
africana. Mão na mão. O olhar e o aperto de mão são dados sem pressa. No final
do ‘passou bem’ quando largamos as mãos, damos um estalinho com os dedos.
Guardo na memória, e no coração, cada um deles, a minha equipa At The Frontiers
e a enorme solidariedade do povo italiano, todos incansáveis.
[1] Bom dia!
Bom dia! Comos estás? Bem? Bem! E tu? Sim, tudo bem!
[2] (Andiamo
al giardino per fare un'attività veramente importante! Oggi prenderemo carruba
insieme!) Vamos até ao Jardim para fazermos uma atividade realmente
importante! Hoje nós vamos apanhar alfarrobas juntos!
[3] Festa
Almoço da Alfarroba
sábado, 29 de outubro de 2016
O desafio do Papa Francisco
O Papa Francisco lançou o desafio...
Por cá algumas comunidades já o puseram em prática... Mas a capacidade de acolhimento está quase a ficar esgotada.Será que não conseguimos dar este presente ao Papa Francisco e até dia 13 de maio, quando ele estiver connosco, termos uma família de refugiados em cada paróquia ou comunidade?
O que podes tu fazer para que isto aconteça junto de ti?
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
Onde é que fica o Quirguistão?

Portugal era talvez o último destino em que a Mukhae se imaginava
a viver. Com 27 anos de idade, tinha-se formado em Direito e trabalhara como
advogada e como tradutora no Quirguistão, seu país natal.
Mas depois dos conflitos armados e do Golpe de Estado de
2010, muita coisa mudou e a descriminação de que a sua etnia, os Uzbeques, era
alvo fez colocar muitos cenários em cima da mesa.
Em dezembro desse ano, um compatriota que ela não conhecia
regressou ao seu país, depois de alguns anos a trabalhar no setor agrícola em
Portugal. A mãe dele convenceu-o que estava na hora de se casar e contactaram a
família da Mukhae. O casamento aconteceu alguns dias depois e no início de 2011 ele
voltou para Portugal, desta vez empregando-se como motorista. Em abril, a Mukhae, já
grávida, juntou-se a ele e iniciou o processo de legalização em terras lusas.
Viviam em Gaia numa casa muito rude e a Segurança Social havia iniciado um
processo para atribuição de habitação social.
Entretanto, o marido foi para a Alemanha dedicar-se ao
negócio de exportação de carros usados para o Quirguistão. Ela ficou sozinha,
grávida e mal-falante do Português. Em outubro de 2011, nasceu a bebé e, por
intermédio da assistência social do hospital, ela foi enviada para o Centro
Comunitário S. Cirilo. Esta estrutura, no Porto, dedica-se, entre outras
atividades assistenciais, ao acolhimento temporário de imigrantes e pessoas
sem-abrigo.
Os maus-tratos e os conflitos com o marido eram já uma
evidência no jovem casamento, mas bastou o marido voltar do estrangeiro para
que ela deixasse o Centro e fosse com ele. Com a bebé ainda muito pequena, passaram
a viver num camião, de forma itinerante. Estiveram por França, Alemanha e um
período mais largo na Lituânia. Além de todos os constrangimentos de viver com
uma criança pequena num meio de transporte, a violência continuava. Ela, que
estava novamente grávida, decidiu voltar para Portugal, onde nasceu o segundo
filho, um menino.
Mais uma vez, foi encaminhada para o S. Cirilo. Mais uma vez,
o marido apareceu a prometer mundos e fundos e a tirou de lá, alugando um
quarto para os quatro. A violência doméstica levou os vizinhos a fazerem queixa
dele, tendo sido levado a julgamento.
O pesadelo, porém, só terminou quando foram ao Quirguistão
tratar do divórcio. Ele não queria aceitar a separação, mas como a Mukhae tinha
trabalhado no tribunal conseguiu mexer os cordelinhos e desvincular-se
oficialmente daquele casamento.
Entretanto, a mãe e a irmã dela estavam numa situação muito
delicada, vítimas de descriminação étnica. A irmã, que é enfermeira, não
conseguia trabalhar no seu país e fora apanhada por uma rede que lhe prometera
trabalho na Rússia. Porém, quando chegou àquele país, retiraram-lhe o passaporte e
enviaram-na com outras pessoas para a Turquia, junto à fronteira com a Síria. O
objetivo era entrar na guerra síria, tratando dos feridos do ISIS. A propaganda
religiosa conseguira recrutar muita gente voluntariamente, mas ela queria
escapar a todo o custo e não conseguia. Em pânico, a Mukhae pediu ajuda a um tio
advogado que vivia na Rússia e ele conseguiu ir à Turquia resgatar a sobrinha,
que se encontrava a viver num restaurante quando foi salva.
Estava já no Quirguistão quando a Mukhae foi tratar do divórcio. Se
ficasse no país, novamente cairia noutra malha. Decidiram pedir asilo em
Portugal. Graças a um golpe de sorte e a um suborno que lhes levou
tudo quanto possuíam, conseguiram sair do país. É que as mulheres não estão
autorizadas a viajar sozinhas.
A irmã e a mãe viajaram primeiro: de avião até Madrid,
depois da escala em Istambul, e de Espanha para Portugal viajaram com o apoio
de uma amiga da Mukhae. Ela decidiu ir de camião com as crianças até Istambul. Dali
apanhou avião para Madrid. O dinheiro estava contado. As malas eram muitas
porque aquela era uma viagem sem previsão de regresso. Em Madrid, sozinha, com
duas crianças pequenas e um monte de malas, viu-se obrigada a apanhar um táxi
até à estação de comboios. Havia comprado os bilhetes online. Mas, com as
necessidades fisiológicas das crianças e toda a logística associada à viagem,
acabou por perder o comboio… e não tinha dinheiro que chegasse para outro
bilhete. Não conseguia aceder à conta bancária portuguesa onde tinha o dinheiro
que ia recebendo do abono familiar… o dinheiro não chegava para ficar num
hotel…
Entretanto, acabou a aula de natação e não consegui ouvir o
fim da história. Não é difícil imaginar.
Sei que isso se passou há um ano e ela conseguiu chegar em
segurança com as crianças e as malas. Ficaram uma vez mais a viver no S.
Cirilo, desta vez com a mãe e a irmã, que estão a tentar ficar no nosso país,
tendo pedido asilo político.
A Mukhae está em situação legal, assim como as crianças, e no verão passado conseguiu
autonomizar-se, passando a residir com os dois filhos num apartamento. As
crianças têm escola e têm apoio para as necessidades básicas.
Já consegui localizar no mapa o Quirguistão, mas estou ainda longe de conhecer a realidade das pessoas que têm de fugir à repressão e a sistemas injustos.
Já consegui localizar no mapa o Quirguistão, mas estou ainda longe de conhecer a realidade das pessoas que têm de fugir à repressão e a sistemas injustos.
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
Hijab: Usar ou não usar?
Sentada numa esplanada junto ao mar, assistia à discussão em silêncio. Uns defendiam que, mesmo estando em Timor e sabendo que os timorenses não se despem em público, tinham todo o direito de ir à praia em fato de banho. Outros argumentavam que, devido ao respeito pela cultura local, tomavam banho nas praias com roupa por cima dos trajes de banho. Eu conseguia compreender os dois lados, mas costumava ir a banhos, nas magníficas praias de areia branca e água quente e transparente de Timor, de fato de banho e calções. Fazia-o sobretudo para não ferir suscetibilidades e para não atrair atenções, preferindo passar despercebida.

Foi pelo mesmo motivo que questionei há pouco tempo uma mulher muçulmana que me disse que queria procurar trabalho em Portugal se não ponderava deixar de usar lenço. Não estava a por em causa a sua identidade e cultura, mas antes a tentar protegê-la dos olhares inquisidores de pessoas que não estão habituadas a ver mulheres de hijab, numa fase da nossa história em que os muçulmanos são associados a terrorismo, guerra santa, extremismo e fundamentalismo.
Mais uma vez consigo compreender os dois lados: os que preferem manter os seus hábitos mesmo num país que não os compreende e os que preferem ser romanos em Roma, por vontade de se integrarem culturalmente, por respeito ou por acomodação.
Ainda quando estava em Timor, fazia uma reflexão acerca do que é cultural e do que é supracultural e envolve respeito pela dignidade humana, o que se sintetiza nos Direitos Humanos. Conhecer e respeitar uma forma de estar e de ver o mundo enriqueceu-me muito, fez-me sair da minha bolha ideológica e rasgar pontos de comunicação com outras formas de vida. Aprendi, por exemplo, a dar outro valor ao tempo num país onde as pessoas marcavam uma hora para reunir e, sem qualquer falta de consideração pela minha pessoa, eram capazes de se atrasar por terem encontrado um amigo que não viam há muito tempo ou por lhes ter sido solicitada ajuda de última hora. Isso fez-me perceber o quanto na nossa cultura somos escravos do tempo e vivemos agrilhoados a listas de compromissos e ocupações que nos fazem passar a correr e sem tempo pelas oportunidades de encontro connosco e com os outros. Mas havia também aspetos da cultura timorense que eu não podia aceitar, como por exemplo a forma como um órfão era por vezes tratado pelos familiares que o adotavam.
Não consigo conceber que haja culturas melhores ou piores, como alguns colegas da esplanada defendiam. Espero que não se ocidentalize nenhum povo em nome do desenvolvimento. Porque é na subtileza das várias formas de estar que podemos crescer como raça humana. Mas também não me parece bem que se use a cultura para justificar comportamentos que desrespeitam os direitos humanos, como a mutilação genital, o trabalho infantil, a subjugação da mulher e o abandono e mau trato de idosos. Não falo de Timor, da Nigéria, da Índia, do Iraque ou de Portugal. Falo de toda uma humanidade cheia de falhas na garantia da dignidade dos seus cidadãos e de uma bela manta de retalhos culturais, que não pode servir para fazer sombra aos direitos fundamentais do homem.
Se as mulheres muçulmanas devem ou não usar lenço em países europeus? Não sei, acho que é uma escolha delas. Contudo, se o hijab encobre um desrespeito pela autodeterminação da mulher, se lhe veda oportunidades, se limita a sua dignidade e igualdade, então essa questão também me diz respeito e não a poderei tolerar.

Foi pelo mesmo motivo que questionei há pouco tempo uma mulher muçulmana que me disse que queria procurar trabalho em Portugal se não ponderava deixar de usar lenço. Não estava a por em causa a sua identidade e cultura, mas antes a tentar protegê-la dos olhares inquisidores de pessoas que não estão habituadas a ver mulheres de hijab, numa fase da nossa história em que os muçulmanos são associados a terrorismo, guerra santa, extremismo e fundamentalismo.
Mais uma vez consigo compreender os dois lados: os que preferem manter os seus hábitos mesmo num país que não os compreende e os que preferem ser romanos em Roma, por vontade de se integrarem culturalmente, por respeito ou por acomodação.
Ainda quando estava em Timor, fazia uma reflexão acerca do que é cultural e do que é supracultural e envolve respeito pela dignidade humana, o que se sintetiza nos Direitos Humanos. Conhecer e respeitar uma forma de estar e de ver o mundo enriqueceu-me muito, fez-me sair da minha bolha ideológica e rasgar pontos de comunicação com outras formas de vida. Aprendi, por exemplo, a dar outro valor ao tempo num país onde as pessoas marcavam uma hora para reunir e, sem qualquer falta de consideração pela minha pessoa, eram capazes de se atrasar por terem encontrado um amigo que não viam há muito tempo ou por lhes ter sido solicitada ajuda de última hora. Isso fez-me perceber o quanto na nossa cultura somos escravos do tempo e vivemos agrilhoados a listas de compromissos e ocupações que nos fazem passar a correr e sem tempo pelas oportunidades de encontro connosco e com os outros. Mas havia também aspetos da cultura timorense que eu não podia aceitar, como por exemplo a forma como um órfão era por vezes tratado pelos familiares que o adotavam.
Não consigo conceber que haja culturas melhores ou piores, como alguns colegas da esplanada defendiam. Espero que não se ocidentalize nenhum povo em nome do desenvolvimento. Porque é na subtileza das várias formas de estar que podemos crescer como raça humana. Mas também não me parece bem que se use a cultura para justificar comportamentos que desrespeitam os direitos humanos, como a mutilação genital, o trabalho infantil, a subjugação da mulher e o abandono e mau trato de idosos. Não falo de Timor, da Nigéria, da Índia, do Iraque ou de Portugal. Falo de toda uma humanidade cheia de falhas na garantia da dignidade dos seus cidadãos e de uma bela manta de retalhos culturais, que não pode servir para fazer sombra aos direitos fundamentais do homem.
Se as mulheres muçulmanas devem ou não usar lenço em países europeus? Não sei, acho que é uma escolha delas. Contudo, se o hijab encobre um desrespeito pela autodeterminação da mulher, se lhe veda oportunidades, se limita a sua dignidade e igualdade, então essa questão também me diz respeito e não a poderei tolerar.
terça-feira, 2 de agosto de 2016
“QUANTOS QUERES” – Desafios, até quantos queres?
Sentei-me para começar a colocar ideias no papel. Tinha já um tema importante para vos falar: o
projeto At The Frontiers. Porém,
houve mais umas quantas questões que fui tomando nota enquanto pensava em como
posso por a minha presença, forças e competências ao
serviço das pessoas que vou encontrar na Sicília. Nisto lembrei-me de um
origami bastante popular em Portugal, o “Quantos Queres". Neste artigo vão perceber porquê.
Antes de Ragusa
Quando era criança havia jogos, brincadeiras,
lengalengas e canções que tinham bastante sucesso na escola e outros espaços de
recreio. Lembrei-me do “Quantos Queres”, e de outros jogos que os miúdos ainda hoje
gostam, fazem, repetem ou readaptam, e que coexistem a par dos jogos digitais. No
fim-de-semana que passou, peguei em folhas de papel colorido e comecei a fazer “Quantos
Queres” com o meu sobrinho Francisco (Ki) de 3 anos. Ao mesmo tempo, pensava no desafio de ficar em Ragusa, província da Sicília, durante 23 dias numa
missão de voluntariado internacional. Em breve vou ser parte de uma equipa de
profissionais humanitários no At The
Frontiers - https://www.facebook.com/ATTHEFRONTIERS/?fref=ts - com elementos de diferentes países europeus, que trabalham em cooperação com
os profissionais dos centros de acolhimento na assistência a pessoas e famílias
requerentes de asilo.
O At The Frontiers with
Asylum Seekers surgiu, em 2015, da vontade e capacidade de ação de um grupo
de cidadãos de uma associação cristã na Europa, a CLC (Christian Life Community in Europe). Qualquer pessoa pode integrar este projeto, com ou sem religião, desde que tenha bem desenvolvidas as
competências pedidas a um profissional humanitário e participe nas atividades em comunidade. Os voluntários que têm
integrado este projeto vêm de países como a Alemanha, Grécia, França,
Itália, Portugal, Bélgica, Áustria, Espanha, Luxemburgo, Egipto e Holanda. Para
os campos de trabalho desta temporada, de junho a outubro, as equipas já estão
formadas, mas, para quem estiver interessado em candidatar-se, o projeto
continua no inverno.
Entre pensamentos e reflexões, alguns “Quantos
Queres” já estavam construídos. A simplicidade dos origamis remeteu-me para algumas
das atividades que os voluntários estão a desenvolver neste projeto, como jardinagem e
culinária, workshops sobre culturas e geografia, jogos de futebol, sessões de
cinema com tertúlia, aulas de italiano ou inglês e tempos livres à conversa, a
ouvir e a passear. Uma
folha de papel, lápis e as nossas mãos. Desenhei uns olhos em duas das
múltiplas faces do “Quantos Queres” e ofereci-o ao Ki. Como ele ficou encantado
com o boneco muito simples que acabara de nascer daquele origami.
“Quem vai ao mar,
avia-se em terra”
É um ditado bem português e que faz tanto sentido para o
pescador como para o profissional humanitário. Não se parte para um projeto de
ação humanitária de qualquer maneira. É uma enorme responsabilidade. Há um
exercício importante a fazer antes de qualquer desafio, mas sobretudo neste
contexto de trabalho com grupos de pessoas que estão altamente vulneráveis: tomarmos
consciência das nossas motivações para fazer parte de um projeto humanitário.
É para eu dar o meu contributo no acolhimento, na
capacitação e na resolução de problemas daqueles que estão vulneráveis e em
situações de enorme fragilidade? É para trabalhar num registo construtivo, pacífico
e em cooperação com os vários agentes no terreno? Tenho o perfil pretendido e
estou em condições físicas e psicológicas para desempenhar aquele papel?
As respostas que encontramos a estas perguntas e outras, vão guiar-nos na decisão a tomar e são passos que nos predispõem para estarmos com mais foco quando estivermos no terreno. A preparação também passa por pesquisar e procurar informação relevante, contactar e falar com alguns dos elementos que já foram e voltaram, começar a reunir recursos, conteúdos e/ou materiais, e identificar competências transversais ou técnicas que possam potenciar o nosso trabalho em missão.
Olhei para as oito faces no interior do “Quantos Queres” e
pintei uma bola, cada uma de uma cor diferente, em cada face. O Ki ficou
curioso. Oito faces, oito bolas coloridas.
A diversidade
cultural
As pessoas que chegam à Sicília são em grande parte
sobreviventes de travessias por vezes inenarráveis pelo sofrimento, as
dificuldades e a morte que encerram. Vêm sobretudo de países das costas de
África, em guerra, com instabilidade política ou miséria profunda para pedirem
asilo na Comunidade Europeia. Chegam de muitos países diferentes. Da Nigéria,
Mali, Gâmbia, Senegal, Costa do Marfim, Guiné-Conacri, Eritreia, Somália,
Etiópia, entre outros, e também de países como o Bangladesh, Egipto e Síria. Depois
dos primeiros cuidados de saúde, alguns de emergência, da identificação e
triagem, as pessoas são encaminhadas para os centros de acolhimento na ilha. É
aqui que o projeto At The frontiers começa
a atuar, em estreita cooperação com os profissionais que trabalham a tempo
inteiro nestas casas de acolhimento, prestando assistência às famílias,
mulheres e crianças, homens migrantes e refugiados que pedem asilo. O processo
de requerimento de asilo é um processo demorado, que pode levar até um ano.
No melting pot de
culturas e idiomas tão distintos, o inglês e o francês são os idiomas mais escolhidos para comunicar, mas nem sempre são suficientes.
A comunicação não verbal e a criatividade aqui são fundamentais para que haja
uma plataforma de entendimento. Pequenos exercícios, dinâmicas e ferramentas, que aparentam ser somente lúdicas, como os “Quantos Queres” e outros origamis,
podem facilitar a comunicação e a relação com o outro, para além de serem uma
atividade relaxante. Perguntei ao Ki que cor é que ele escolhia. Vermelho.
Perguntei-lhe também qual o animal preferido dele. O piriquito Chico. Levantei
essa face dobrada do origami e desenhei um pequeno pássaro azul, como é o
piriquito Chico que o Ki conhece. “Uau”, disse ele.
Tudo o que levo na mochila
para a Sicília
Estou curiosa não só em relação ao projeto, à equipa e às
pessoas com quem vou trabalhar, mas também em relação à terra, ao povo e à
cultura siciliana. Parto dia 26 de agosto e comigo levo uma mochila às costas
por ser mais prático e rápido nos aeroportos e para quando tenho de caminhar.
A minha mochila não pode pesar mais do que 8kg, por isso vou
levar o mínimo de coisas que conseguir para 25 dias. É sempre uma aventura
fazer a mochila! Quero sempre levar mais do que preciso. O rol será mais ou
menos este: roupa de verão e calçado prático para cerca de 6 dias, fácil de
lavar e secar; 1 pano/saída de praia multifunções; 1 chapéu; 1 corta-vento/impermeável;
2 sweatshirts; biquíni/fato-de-banho;
protetor solar; telemóvel e carregador; disco externo/pc; kit higiene e 1ºs
socorros com recipientes até 100 ml; 1 livro; 1 caderno para apontamentos; 2
esferográficas; 1 mapa da Europa e 1 mapa-mundo; 2 dicionários de bolso: inglês
e francês; 1 lista de palavras básicas e essenciais em árabe; 1 apito com
bússola; óculos de sol; 1 mochila ultra-leve; bolsa com documentos. Não caberá
muito mais. No final peso-me com a mochila e sem ela, e a diferença não poderá
exceder os 8 kg.
Fazer de propósito
Quantos desafios queres? O que podes fazer mais? O que fazes vai
beneficiar alguém? São perguntas que vou fazendo a mim própria e que me ajudam a escolher projetos que realmente importam. Há
aquela história muito curta de um homem que pedia incessantemente a Deus para
lhe sair o euromilhões. Era a mesma conversa todas as noites, ao deitar. Um dia
Deus perdeu a paciência e resolveu intervir, dizendo-lhe: “Ao menos joga
criatura!”
Sempre que queremos aprender e evoluir, é preciso sairmos da
nossa zona de conforto e ultrapassar limites, limites esses que muitas das
vezes são apenas meras preocupações e medos que vamos alimentando. Se por um
lado há desafios que a vida nos lança nos braços, por outro há desafios que
podemos ser nós a escolher, a agarrar, e a fazer de propósito para que eles
aconteçam. Fazer de propósito, escolher, colocar-me em ação, é de longe muito
mais interessante.
Outra ideia que ainda apontei, enquanto fazia mais alguns
“Quantos Queres”, é a de que não podemos mudar o mundo, mas podemos contribuir para
mudar o mundo de alguém ou até de muitos. Contudo, algumas perspetivas que temos, amarram-nos e paralisam-nos. Quais são aquelas
que me impedem de agir? A minha forma de pensar permite-me ver o outro enquanto
pessoa? Consigo sair da minha zona de conforto e envolver-me na vida da minha
comunidade, trabalhar lado a lado com outros que têm ideias diferentes, e mesmo
assim encontrarmos respostas para problemas e juntos passarmos à ação? Parar e
calibrar as lentes, desconstruir argumentos, faz-nos bem.
Daqui podemos ajudar lá
Quando na semana passada partilhei na minha página do
facebook a notícia de que ia fazer parte deste projeto com migrantes e refugiados,
pedi aos meus amigos que me contactassem caso soubessem de alguém ou alguma organização/empresa
que possa apoiar financeiramente o At The Frontiers. Alguns dos meus amigos
mais próximos perguntaram-me se haveria também alguma forma de contribuir
individualmente e em quantias mais pequenas. Contactei a equipa de coordenação
do projeto e eles responderam que sim, agradeceram muito a iniciativa, e disseram que a ajuda que damos daqui, de onde nos encontramos, é bastante importante, uma vez que
permite que se faça muito mais. Ficam aqui os dados e o IBAN para quem puder ajudar:
IBAN:
IT23C0503403234000000125472
Banca Popolare di Novara – AG. 36, (codice swif/bic: bappit21n92)
Banca Popolare di Novara – AG. 36, (codice swif/bic: bappit21n92)
Atenção,
quando fizerem a transferência é importante referir para que é o donativo. Reason: Migrants Project.
Os donativos vão reverter já para este projeto no período do
inverno, para realizar atividades como jogos, música, artes plásticas e
trabalhos manuais, culinária e alimentação, a pintura dos centros de
acolhimento, e vai permitir que voluntários com poucas condições económicas
possam fazer parte do projeto também. Para além deste passo, falei ontem com duas voluntárias que
estiveram lá o ano passado, a Jacinta e a Rita, e quando conversávamos uma
delas disse-me que faziam sessões de cinema seguidas de uma partilha de ideias.
Ficou a sugestão de eu levar filmes em formato digital, do género do Patch Adams, que eles viram e adoraram,
comédias e outros filmes que bem dispõem. Se alguém tiver uma coletânea digital
que me possa passar, agradeço. Agradeço também outras ideias que não ocupem
espaço.
“diário de ragusa”
Para este mês tenho vários desafios, um deles é começar a escrever um diário sobre este projeto em Ragusa
com pequenas histórias. Ainda não sei se terei facilidade de acesso à net e
tempo suficiente para me dedicar diariamente à escrita, mas mesmo assim avanço
e, no que me for possível, vou dar notícias, contar pequenas histórias, de forma
simples e breve. O “diário de ragusa” é o nome do blogue que em breve partilho
convosco. Quanto ao “Quantos Queres”, sei que vou pegar em folhas de papel e
fazer um ou outro quando estiver por lá. Logo vos
conto.
Etiquetas:
ação humanitária,
África,
at the frontiers,
comunicação,
cooperação,
culturas,
desafios,
Europa,
Médio Oriente,
migrantes,
origami,
refugiados,
responsabilidade,
Sicília,
voluntariado internacional
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Crianças refugiadas na Europa: nem sãs nem salvas
A Europa não tem sido
um porto seguro para as crianças e jovens refugiados. É preciso fazer alguma
coisa.
Uma investigação
recente da UNICEF em campos de refugiados no norte de França concluiu que diariamente há
crianças alvo de exploração sexual, violência, e trabalhos forçados. Os relatos
das 60 crianças entre os 11 e 17 anos são arrepiantes. Em Nem sãs nem salvas, elas traçam um quadro de abusos constantes: prostituição
forçada, violações e envolvimento em atividades criminosas.
O diretor executivo da UNICEF no Reino Unido dizia que
«estes campos não são lugares para crianças. Sabemos que, pelo menos, 157
crianças em Calais têm direito legal a estar com as suas famílias no Reino
Unido».
Daí que seja importante agir. A partir deste outono, milhares de crianças refugiadas vão
ter acesso à escola na Grécia. O primeiro-ministro fez o anúncio da contratação
de 800 professores esta semana. É uma boa decisão que só peca por tardia. Neste
momento, há mais de 57 mil refugiados naquele país. Estima-se que um terço
sejam menores.
Recentemente, uma
grega ganhou o Prémio Norte-Sul do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. Lora
Pappa, antiga consultora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, fundou a organização METAdrasi. Trabalha intensamente com refugiados
e migrantes, especialmente menores e crianças desacompanhadas. Para isso, criou
uma equipa com quase 300 intérpretes e mediadores culturais; tem equipas que transportam
crianças desacompanhadas em segurança para instalações apropriadas para
menores. Já foram apoiadas mais de 3650 crianças. Na cerimónia de entrega do
Prémio, em Lisboa, disse tratar-se «de uma corrida contrarrelógio para criar
estruturas de acolhimento para que estas crianças, mais de 1500, não fiquem
expostas a redes de passadores e de traficantes».
Ações como estas salvam a vida de
crianças. Mas a UNICEF tem exigido ação aos governos. É preciso que eles ajam e
que nós, cidadãos, nos empenhemos e pressionemos para essa ação. As crianças
desacompanhadas devem ser uma prioridade e os seus processos analisados com
maior rapidez. Não é aceitável que fiquem muitos meses, às vezes até anos, à
espera de uma resposta ao pedido de asilo.
Nos primeiros meses deste ano, 4760
crianças atravessaram do Norte de África para Itália. Dessas, 94% estavam
sozinhas.
Foto: METAdrasi
Subscrever:
Mensagens (Atom)