sexta-feira, 29 de julho de 2016

Crianças refugiadas na Europa: nem sãs nem salvas



 A Europa não tem sido um porto seguro para as crianças e jovens refugiados. É preciso fazer alguma coisa.
Uma investigação recente da UNICEF em campos de refugiados no norte de França concluiu que diariamente há crianças alvo de exploração sexual, violência, e trabalhos forçados. Os relatos das 60 crianças entre os 11 e 17 anos são arrepiantes. Em Nem sãs nem salvas, elas traçam um quadro de abusos constantes: prostituição forçada, violações e envolvimento em atividades criminosas.
O diretor executivo da UNICEF no Reino Unido dizia que «estes campos não são lugares para crianças. Sabemos que, pelo menos, 157 crianças em Calais têm direito legal a estar com as suas famílias no Reino Unido».
Daí que seja importante agir. A partir deste outono, milhares de crianças refugiadas vão ter acesso à escola na Grécia. O primeiro-ministro fez o anúncio da contratação de 800 professores esta semana. É uma boa decisão que só peca por tardia. Neste momento, há mais de 57 mil refugiados naquele país. Estima-se que um terço sejam menores.
Recentemente, uma grega ganhou o Prémio Norte-Sul do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. Lora Pappa, antiga consultora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, fundou a organização METAdrasi. Trabalha intensamente com refugiados e migrantes, especialmente menores e crianças desacompanhadas. Para isso, criou uma equipa com quase 300 intérpretes e mediadores culturais; tem equipas que transportam crianças desacompanhadas em segurança para instalações apropriadas para menores. Já foram apoiadas mais de 3650 crianças. Na cerimónia de entrega do Prémio, em Lisboa, disse tratar-se «de uma corrida contrarrelógio para criar estruturas de acolhimento para que estas crianças, mais de 1500, não fiquem expostas a redes de passadores e de traficantes».


Ações como estas salvam a vida de crianças. Mas a UNICEF tem exigido ação aos governos. É preciso que eles ajam e que nós, cidadãos, nos empenhemos e pressionemos para essa ação. As crianças desacompanhadas devem ser uma prioridade e os seus processos analisados com maior rapidez. Não é aceitável que fiquem muitos meses, às vezes até anos, à espera de uma resposta ao pedido de asilo.
Nos primeiros meses deste ano, 4760 crianças atravessaram do Norte de África para Itália. Dessas, 94% estavam sozinhas.

Foto: METAdrasi

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Amanhã partem para Portugal...

O sol é tórrido e o local de encontro é o quintal, onde está instalada uma mesa comprida. Hoje, tive novos alunos: a família Ahmed chegou há menos de um mês a Portugal e veio visitar pela primeira vez os Ateka, ficando para a aula de Português.
Com a preciosa ajuda de uma intérprete, contaram-me as histórias por detrás da sua fuga e relataram-me a situação de completa vulnerabilidade em que vivem as pessoas na Síria.

Amanhã partem para Portugal
De vermos tantas imagens na televisão, não nos é difícil imaginar o que será atravessar a faixa de mar que divide a Turquia das ilhas gregas. Podemos visualizar um barco preto, repleto de gente, avariado, à deriva, a dar à costa… Foi numa dessas frágeis embarcações que os Ateka arriscaram a vida e empenharam tudo quanto lhes sobrou. As crianças, de 9, 5 e 4 anos choraram e gritaram o tempo, pensando que iam morrer. Os adultos chegaram a pensar que nunca atingiriam solo seguro, não por se afundarem, mas por não conseguirem respirar, de tal maneira estavam apertados contra outros corpos. A bordo iam os avós das crianças, o filho e a nora, pais dos meninos de 9 e de 4 anos, e outra filha e respetivo filho de 5 anos, que chorava ainda mais do que os outros por não saber do pai, mas quem lhe podia dizer onde ele estava se o raptaram na Síria em 2012 e ninguém sabe se está vivo ou morto?
Para além desse familiar, deixaram para trás, na Turquia, dois membros da família, um filho não quis partir por ter a mulher grávida e por isso estar incapaz de se lançar naquela travessia, o outro também preferiu ficar por motivos de saúde.
Tinham vivido juntos três anos na Turquia, onde haviam conseguido casa e trabalho, mas a situação era extremamente precária, pois recebiam tarde e mal e passavam fome. Mas o que os fez tomar a decisão de deixar esse país foi mesmo o futuro que queriam oferecer às três crianças, não podendo permanecer num país onde aumentavam os relatos de raptos, violações e escravatura infantil.
No barquinho de borracha, apertados e enjoados, pensavam na Alemanha, onde o avô tinha irmãos e sobrinhos. Sabiam que se conseguissem lá chegar, teriam uma casa para viver e lojas onde trabalhar. Mas quando deram à costa grega as fronteiras estavam fechadas. Ficaram um mês no campo de refugiados e quando lhes foi dada a informação de que podiam optar pelo repatriamento noutro país europeu não hesitaram e aceitaram. Definitivamente, não queriam voltar para a Turquia. Ao fim de quatro meses, chegou o veredito:
- Amanhã partem para Portugal.
Pouco sabiam deste país, mas só o facto de ser na Europa representou uma segurança. Chegaram em maio e estão ainda a adaptar-se e a aprender a língua. Custa-lhes estar longe de alguns elementos da família e frequentemente recebem notícias dramáticas, como a da morte de um sobrinho de 32 anos. Mas garantem: “não estamos aqui a passar férias, viemos porque é impossível viver no nosso país. Estamos extremamente gratos aos portugueses e esperamos um dia retribuir tudo o que têm feito por nós!”

Já só pedem a pílula
Os Ahmed quiseram também contar-me a sua história.
Fugiram da Síria há cinco meses atrás. Chegaram a um ponto em que já não tinham casa e a situação era insustentável, mas depararam-se com um grande dilema: fugir com 4 dos 5 filhos, sabendo que deixariam para trás a filha mais velha, com 22 anos, e um bebé e um marido estropiado a seu cargo ou permanecer para a ajudar?
Os outros filhos já não podiam continuar a estudar. O mais novo, de 9 anos, deixou de frequentar a escola quando uma bomba explodiu no estabelecimento escolar e na fuga  ele partiu os dentes da frente. Os relatos de violações sucediam-se. “Todos os dias assistíamos ao sofrimento de saber que raparigas eram violadas à frente dos pais e ninguém conseguia fazer nada. As raparigas já só pediam a pílula, já não queriam ajuda nenhuma, só queriam a pílula para evitar que viessem crianças ao mundo naquelas circunstâncias”, conta-me uma das filhas do casal Ahmed.
Por esse motivo, quando pensaram em fugir, não equacionaram o Líbano, por ouvirem relatos de abusos e violações de raparigas.

Encharcados e com os sapatos rotos 
Foi muito difícil tomar a decisão, mas os pais decidiram tentar salvar os outros filhos e planearam a viagem, recorrendo a um passador, numa altura em que não se podia circular em veículos motorizados.
A primeira tentativa foi malsucedida, pois foram apanhados pela polícia e tiveram de voltar para trás. Tentaram novamente e contactaram outro passador que os informou que teriam pela frente uma caminhada de meia hora. Contudo, saíram da Síria à meia-noite e só chegaram à Turquia às seis da manhã, completamente exaustos. Mal preparados, viram os sapatos a rasgar-se e tiveram de caminhar quase descalços. O chefe do grupo proibiu-os de ligaram os telemóveis ou qualquer lanterna, para não serem detetados, e eles não conseguiam ver onde punham os pés. Ora, era inverno e chovia muito e o terreno que atravessavam era matagal, pelo que ficaram rapidamente encharcados. O menino de nove caiu na água a atravessar um ribeiro e foi todo o caminho a tremer de frio.

Salvos numa casa de banho pública
Se estavam felizes por terem atingido a Turquia, sentiam-se sem forças e desconfortáveis nas roupas sujas e ensopadas. Não tinham casa onde ficar e, quando viram casas de banho públicas na rua, decidiram entrar para mudar de roupa. Quando saíram dos sanitários, conheceram uma família síria que vivia ali perto e os acolheu durante dez dias, o tempo suficiente para se restabelecerem e contratarem um rapaz para os ajudar a chegar à Grécia.

Mar agitado
Demoraram quatro horas no mar agitado de fevereiro, mas conseguiram sair da Turquia e alcançar a Grécia com segurança. Encontraram um campo de refugiados, onde se instalaram e, no dia seguinte, foram abordados pelo responsável do campo, que lhes perguntou se queriam sair da Grécia imediatamente ou permanecer. Tudo o que queriam era ir para qualquer local onde tivessem um teto e pudessem descansar. Inscreveram-se no programa de repatriamento e ficaram à espera quatro meses até virem para Portugal. Mentalizaram-se que iam mudar de vida e que deixavam definitivamente a vida na Síria para trás.

À luz das velas
Dos quatro filhos que acompanharam os pais, as raparigas são as mais velhas, com 20 e 18 anos, e os rapazes têm 16 e 9 anos. Elas estão muito motivadas para aprenderem português e se ambientarem, pois garantem que sempre foram ótimas alunas e querem muito ir para a universidade, uma quer estudar Farmácia e a outra Medicina. Para terminarem os estudos secundários no seu país, tiveram de estudar muitas vezes à luz das velas, com as falhas de eletricidade constantes. Estão habituadas a lutar e dizem que não vão desistir dos seus sonhos. Uma delas relata: “a partir dos 12 anos não soube mais o que era a alegria da infância, só via a polícia a matar, não podia sair de casa por causa dos bombardeamentos… Nunca há nenhuma festa ou reunião familiar onde as pessoas estejam felizes, há sempre notícias tristes: morreu alguém, violaram alguém, feriram alguém… Queria que o meu irmão pequeno vivesse a inocência que eu não vivi.

O coração ainda está na Síria
Estão em segurança agora, mas ainda sofrem com a angústia da filha e de tantas pessoas que vivem na Síria. O marido dela só respira. Resultado de uma explosão, já não tem um braço, nem pés e outras partes do corpo estão mutiladas. A filha mais velha não conseguiu deixar o marido sozinho, apesar de os pais terem insistido muito para que fugisse também.
Ela ainda estudava na faculdade e, sem trabalho nem rendimentos, passa fome e mal consegue alimentar a filha bebé. Todos sofrem muito por saberem que ela está naquela situação. A preocupação maior, ainda assim, é com o bebé, que teve uma febre alta e, por não ter acesso a médicos nem medicamentos e por falta de alimentação conveniente, deixou de conseguir mexer os pés.
[Nesta fase do relato, todos os presentes, Ateka e Ahmed, choravam. A intérprete, de tal maneira se emocionou também, que me passava mais informação com os seus gestos solidários do que com as palavras. E eu tentei tocar aquela dor com algum sedativo, mas não me vinha uma única palavra à boca. Fiquei apenas a partilhar a minha consternação com eles, de lenço na mão.]
A irmã vendeu tudo para ter algum dinheiro para conseguir viver, nomeadamente o carro, mas metade do dinheiro teve de se destinar a tratamentos de saúde dele. A situação é extremamente preocupante e as notícias muitas vezes atrasam-se devido a falhas de eletricidade e rede de telemóvel.

Tragédias diárias que não lemos nos jornais
“Há uma aldeia onde desde há dois anos não há comida, as pessoas só tem ossos, parecem mortos. Não precisam de matá-los, já estão a morrer sozinhos.”
“Há locais onde as pessoas comem gatos e ratos e ervas, tudo o que encontram no chão eles comem. Se chove, bebem água da terra porque não há água. Toda a gente tem anemias e muitas outras doenças graves por falta de higiene e alimentação.”
“Morreram muitas crianças num mesmo dia no inverno, por causa da neve, as pessoas não tinham casa e morriam no campo onde se refugiaram.”
Foi disto que fugiram uma e outra família. Sabem que na Europa há preocupação crescente com os atentados terrorista e percebem que o facto de serem muçulmanos dificulta a sua integração, mas querem deixar uma mensagem: “não pensem que estes terrorismos têm alguma coisa a ver com os muçulmanos, quem faz isto não tem religião nenhuma porque os muçulmanos só querem viver em paz e os terroristas não dão paz a ninguém.”
Estão aqui, querem ser boas pessoas para ajudarem da melhor forma quem deles precisar, como estão a ser ajudados.
Agora o meu país é aqui em Portugal e vou esforçar-me imenso para ser uma boa pessoa e ajudar como me ajudaram a mim e vou falar sempre do que estão a fazer por mim aqui”, garante uma das jovens Ahmed.

Todos concordam e garantem que o carinho que estão a receber neste país é um bálsamo para o sofrimento que enfrentam. Esse alívio é algo que vão guardar para toda a vida.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Hoje é dia de construir pontes

Tive o privilégio de acompanhar a construção uma nova ponte durante um ano. Fazia parte do meu percurso diário passar sobre ela, pelo menos, duas vezes por dia. Foi interessante ir vendo os preparativos, movimentações, mudanças de sentido, percursos alternativos e tantas alterações a que diariamente eu e os restantes condutores estávamos sujeitos. Pude constatar diariamente que construir uma ponte dá mesmo muito trabalho, exige muitas pessoas, cada uma com o seu saber e função. É preciso tempo e é preciso também adaptação, paciência e esperança de que as dificuldades que se passam servem um bem maior: ligar as margens, unir, aproximar.



Não sei quantas pontes terá passado este pai com o seu bebé ao colo. Não sei onde está, nem sei a sua história. Sei que com eles há milhares de pessoas com a Vida às Costas à espera de pontes que aproximem e que unam, aquilo que alguns teimam em destruir.

Na segunda feira, dia em que se celebrou o Dia Mandela, a academia UBUNTU e o Instituto Padre António Vieira propuseram que esse fosse «um dia de construir pontes».

De acordo com estudo da OXFAM «apenas 2 milhões e 100 mil refugiados vivem nos EUA, China, Japão, Alemanha, França e Grã-Bretanha: as seis nações que somadas, representam 56,6% do PIB global, dão hospitalidade a 8,9% daqueles que escapam de guerras, doenças e miséria, em busca de uma existência melhor».

Mas a mesma notícia diz que «mais da metade dos refugiados do mundo, ou seja, 12 milhões de pessoas, estão abrigadas na Jordânia, Turquia, Palestina, Paquistão, Líbano e África do Sul, países que somam, juntos, apenas 2% da economia mundial».

Não é de agora que são os que menos têm que mais partilham. Não creio que me caiba a mim mudar as mentalidades e políticas dos países ricos. Mas gosto de acreditar que o pouco partilhado por muitos dá para muito mais do que o muito dado por meia dúzia.

Fazer pontes é possível! Mudar vidas é possível! Acolher e aproximar dá trabalho, mas vale a pena!

Hoje é dia de construir pontes! Amanhã também e depois também! Sejamos nós os empreiteiros desta obra de todos os dias!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Se o terrorismo nos abana, então aproveitemos o balanço para fazer a paz



24 horas depois do ataque em Nice, França, escrevo o meu 1º artigo neste blogue para dizer que nenhum grupo terrorista é capaz de mudar radicalmente o nosso modo de vida, a não ser que escolhamos ceder às pantanosas suposições, ao medo e ao ódio. Apesar do medo, que é inevitável sentir quando um ataque acontece, as nossas vidas são para continuar e se possível  com mais motivação ainda na concretização dos nossos sonhos e objetivos. Se isto nos abana, então que nos abane para fazer um pouco mais. Melhor é possível.


O poder de um só homem que foi refugiado


Trago-vos a história de Elie Wiesel, que morreu há poucos dias depois de uma vida que urge conhecer e contar. Elie nasceu na Roménia e viu-se obrigado a emigrar como muitos outros com a vida às costas. Elie sobreviveu aos campos de concentração nazis era ainda adolescente. Quando a 2ª Guerra Mundial começou ele tinha 11 anos. Perdeu a Mãe e a irmã mais nova no Holocausto. Esteve preso nos campos de trabalho forçado com o Pai, que morreu em 1945, antes da guerra acabar, depois de ter sido agredido por um soldado nazi. Quando a guerra acabou, Elie foi enviado para um orfanato em França e pôde reencontrar-se com as irmãs mais velhas, Beatrice e Hilda, que como ele também tinham sobrevivido. Tornou-se jornalista, escritor e em 1963 candidatou-se à residência permanente nos EUA e tornou-se um cidadão norte-americano, que passou a ser a sua nacionalidade depois de ter ficado apátrida durante o Holocausto.

Conto esta história hoje, como podia contar tantas outras, porque é atual. Esta história está a acontecer também nos nossos dias. Mas a grande razão para contar esta história é porque Wiesel não só sobreviveu a tudo, como se tornou um motor de ação e inspiração para a paz. É uma história de vida de um só homem que foi refugiado e depois conseguiu transformar-se num agente de mudança a quem foi reconhecido um vasto trabalho transformador de muitas vidas. Elie superou tudo e tornou-se um ativista influente na luta pelos direitos humanos e pela paz. Recebeu em 1986 o Nobel da Paz e fez um discurso maravilhoso, do qual escolho este trecho abaixo. (Peço desculpa por seguir em inglês, mas por uma questão de tempo, segue assim. Mais tarde, posso traduzi-lo. Podem ler o discurso de Wiesel na íntegra neste artigo: http://www.wsj.com/articles/notable-quotable-elie-wiesels-nobel-speech-1467673547)

“And then I explained to him how naive we were, that the world did know and remain silent. And that is why I swore never to be silent whenever and wherever human beings endure suffering and humiliation. We must always take sides. Neutrality helps the oppressor, never the victim. Silence encourages the tormentor, never the tormented. Sometimes we must interfere. When human lives are endangered, when human dignity is in jeopardy, national borders and sensitivities become irrelevant. Wherever men or women are persecuted because of their race, religion, or political views, that place must—at that moment—become the center of the universe.”


Precisamos de ser como o Wiesel


Mesmo que não tenhamos passado pelos campos de concentração, mesmo que as nossas escolhas de projetos de vida e áreas profissionais sejam bem distintas, podemos todos ser como o Wiesel dentro do estilo de cada um. Podemos ser parte de uma ação concertada para defender os que fogem da guerra, do terrorismo, da fome, da perseguição política, religiosa ou racista, e os que não fogem porque não conseguem.

Estamos numa fase em que podemos mais facilmente transformar as dificuldades e as frustrações em oportunidades, porque estamos na era da aldeia global e dispomos de muitos mais recursos. Muitos de nós podemos envolver-nos mais na nossa comunidade local ou até ir para o terreno onde é urgente intervir e erguer quem está a sofrer. Estamos na era global e mais do que nunca temos meios para nos mobilizarmos, para nos ligarmos mesmo à distância, para nos unirmos em pequenos grupos, projetos, entidades, com um só propósito: fazer a paz. E fazer a paz não é ficar passivo, quieto, em silêncio ou neutro. Fazer a paz é tomar ação. Fazer a paz começa dentro de casa, sabendo que o conflito é tão natural como o ar que respiramos. A paz não é a ausência de desacordo e desentendimentos. Muitas vezes é necessário o conflito por ser oportunidade para se colocarem problemas em cima da mesa e resolvê-los. O conflito faz parte da vida e o que importa é fazermo-nos mestres na resolução pacífica de conflitos num chão em que todos possam estar. Precisamos de continuar a construir uma plataforma de comunicação que nos permita ver os outros como pessoas e ter sempre os olhos no prémio: a paz, o bem comum, as crianças, como explica tão bem William Ury, um especialista na negociação e resolução pacífica de conflitos.


De que forma posso contribuir para a paz no mundo?


Não há uma resposta única e acabada para esta pergunta, mas parte de cada um de nós trabalhar uma atitude empática e pacífica que se reflita na ação. Porém, a paz conjuga-se no plural, porque a paz tem tudo a ver com relação e não tem a ver com quem tem razão. Só conseguimos a paz juntos e com os olhos postos naquilo que realmente importa. A paz faz-se e refaz-se no dia a dia, em casa, no trabalho, com os amigos, nas nossas tribos e na nossa comunidade. Não devemos subestimar as nossas capacidades de ação. Um bom grupo de cidadãos conscientes e unidos consegue ter voz e dar resposta concertada a problemas existentes. Sozinhos, parados, tomados pelo medo, silenciosos ou a incitarmos ao ódio e à violência, não somos nada. Unidos, concertados, ao darmos apoio ou ao fazermos parte ativa de grupos e organizações com ação no terreno pela paz e pelo desenvolvimento, somos parte da resposta para acabar com o terrorismo. Se o terrorismo nos abana, então aproveitemos o balanço para fazer a paz.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

ao fundo um cenário diferente...

Ao fundo, um cenário diferente. Vozes que surgem de um altifalante numa língua que não identifico. Pessoas aglomeradas em grupo, umas sentados no chão, outras de pé. Rostos cansados, preocupados, desolados. Crianças no seu ritmo normal de criança, mas em silêncio. Intérpretes a gesticular, a mexer os braços consoante o ritmo das palavras. Polícia armada em posição fixa ou a caminhar lentamente entre as pessoas. autocarros vazios. Três.
No dia anterior, tínhamos deixado o porto de Piraeus de forma tranquila, com mochila às costas, equipados com medicamentos e material de saúde, onde seguimos de metro para o centro de Atenas. Na memória, as famílias a que demos assistência nesse fim de tarde ou pela noite dentro. Não sei bem. As horas andam trocadas. Deixamos de trabalhar não em função de horários, mas de necessidades. 
Aos poucos, fomos sendo informados que estavam a ser convidados a entrar nos autocarros para seguirem para outros campos. "Onde?" Não se sabia bem ao certo. Mulheres e crianças no autocarro do meio. A deportação é real. "Não era só daqui a 2 dias?". "Porquê a segregação?". Silêncio ensurdecedor. 
Viro as costas a todo este cenário. Olho para o mar, o mesmo mar que os trouxe os levará de volta e questiono-me: "que Europa é esta?!" Seco a lágrima que me escorre da cara, discretamente. A fila no "posto de saúde" começa a crescer. Voltemos ao que me trouxe aqui.