sexta-feira, 15 de julho de 2016

Se o terrorismo nos abana, então aproveitemos o balanço para fazer a paz



24 horas depois do ataque em Nice, França, escrevo o meu 1º artigo neste blogue para dizer que nenhum grupo terrorista é capaz de mudar radicalmente o nosso modo de vida, a não ser que escolhamos ceder às pantanosas suposições, ao medo e ao ódio. Apesar do medo, que é inevitável sentir quando um ataque acontece, as nossas vidas são para continuar e se possível  com mais motivação ainda na concretização dos nossos sonhos e objetivos. Se isto nos abana, então que nos abane para fazer um pouco mais. Melhor é possível.


O poder de um só homem que foi refugiado


Trago-vos a história de Elie Wiesel, que morreu há poucos dias depois de uma vida que urge conhecer e contar. Elie nasceu na Roménia e viu-se obrigado a emigrar como muitos outros com a vida às costas. Elie sobreviveu aos campos de concentração nazis era ainda adolescente. Quando a 2ª Guerra Mundial começou ele tinha 11 anos. Perdeu a Mãe e a irmã mais nova no Holocausto. Esteve preso nos campos de trabalho forçado com o Pai, que morreu em 1945, antes da guerra acabar, depois de ter sido agredido por um soldado nazi. Quando a guerra acabou, Elie foi enviado para um orfanato em França e pôde reencontrar-se com as irmãs mais velhas, Beatrice e Hilda, que como ele também tinham sobrevivido. Tornou-se jornalista, escritor e em 1963 candidatou-se à residência permanente nos EUA e tornou-se um cidadão norte-americano, que passou a ser a sua nacionalidade depois de ter ficado apátrida durante o Holocausto.

Conto esta história hoje, como podia contar tantas outras, porque é atual. Esta história está a acontecer também nos nossos dias. Mas a grande razão para contar esta história é porque Wiesel não só sobreviveu a tudo, como se tornou um motor de ação e inspiração para a paz. É uma história de vida de um só homem que foi refugiado e depois conseguiu transformar-se num agente de mudança a quem foi reconhecido um vasto trabalho transformador de muitas vidas. Elie superou tudo e tornou-se um ativista influente na luta pelos direitos humanos e pela paz. Recebeu em 1986 o Nobel da Paz e fez um discurso maravilhoso, do qual escolho este trecho abaixo. (Peço desculpa por seguir em inglês, mas por uma questão de tempo, segue assim. Mais tarde, posso traduzi-lo. Podem ler o discurso de Wiesel na íntegra neste artigo: http://www.wsj.com/articles/notable-quotable-elie-wiesels-nobel-speech-1467673547)

“And then I explained to him how naive we were, that the world did know and remain silent. And that is why I swore never to be silent whenever and wherever human beings endure suffering and humiliation. We must always take sides. Neutrality helps the oppressor, never the victim. Silence encourages the tormentor, never the tormented. Sometimes we must interfere. When human lives are endangered, when human dignity is in jeopardy, national borders and sensitivities become irrelevant. Wherever men or women are persecuted because of their race, religion, or political views, that place must—at that moment—become the center of the universe.”


Precisamos de ser como o Wiesel


Mesmo que não tenhamos passado pelos campos de concentração, mesmo que as nossas escolhas de projetos de vida e áreas profissionais sejam bem distintas, podemos todos ser como o Wiesel dentro do estilo de cada um. Podemos ser parte de uma ação concertada para defender os que fogem da guerra, do terrorismo, da fome, da perseguição política, religiosa ou racista, e os que não fogem porque não conseguem.

Estamos numa fase em que podemos mais facilmente transformar as dificuldades e as frustrações em oportunidades, porque estamos na era da aldeia global e dispomos de muitos mais recursos. Muitos de nós podemos envolver-nos mais na nossa comunidade local ou até ir para o terreno onde é urgente intervir e erguer quem está a sofrer. Estamos na era global e mais do que nunca temos meios para nos mobilizarmos, para nos ligarmos mesmo à distância, para nos unirmos em pequenos grupos, projetos, entidades, com um só propósito: fazer a paz. E fazer a paz não é ficar passivo, quieto, em silêncio ou neutro. Fazer a paz é tomar ação. Fazer a paz começa dentro de casa, sabendo que o conflito é tão natural como o ar que respiramos. A paz não é a ausência de desacordo e desentendimentos. Muitas vezes é necessário o conflito por ser oportunidade para se colocarem problemas em cima da mesa e resolvê-los. O conflito faz parte da vida e o que importa é fazermo-nos mestres na resolução pacífica de conflitos num chão em que todos possam estar. Precisamos de continuar a construir uma plataforma de comunicação que nos permita ver os outros como pessoas e ter sempre os olhos no prémio: a paz, o bem comum, as crianças, como explica tão bem William Ury, um especialista na negociação e resolução pacífica de conflitos.


De que forma posso contribuir para a paz no mundo?


Não há uma resposta única e acabada para esta pergunta, mas parte de cada um de nós trabalhar uma atitude empática e pacífica que se reflita na ação. Porém, a paz conjuga-se no plural, porque a paz tem tudo a ver com relação e não tem a ver com quem tem razão. Só conseguimos a paz juntos e com os olhos postos naquilo que realmente importa. A paz faz-se e refaz-se no dia a dia, em casa, no trabalho, com os amigos, nas nossas tribos e na nossa comunidade. Não devemos subestimar as nossas capacidades de ação. Um bom grupo de cidadãos conscientes e unidos consegue ter voz e dar resposta concertada a problemas existentes. Sozinhos, parados, tomados pelo medo, silenciosos ou a incitarmos ao ódio e à violência, não somos nada. Unidos, concertados, ao darmos apoio ou ao fazermos parte ativa de grupos e organizações com ação no terreno pela paz e pelo desenvolvimento, somos parte da resposta para acabar com o terrorismo. Se o terrorismo nos abana, então aproveitemos o balanço para fazer a paz.

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